terça-feira, 6 de julho de 2010

como é possivel tanto repouso nesse movimento?

"...era lá que eu, escapulindo da fazenda na noites mais quentes, e banhado em fé insolente, comungava quase estremunhado, me ocultando da frequência de senhores, assim como da desenvoltura de muitos moços, desajeitado no aconchego viscoso daquelas casas, escondendo de vergonha meus pés brancos, minhas unhas limpas, meus dentes de giz, o asseio da minha roupa, minha cara imberbe de criança; ah ,meu irmão, não me deitei nesse chão de tangerinas incediadas, nesse reino de drosófilas, não me entreguei feito menino na orgia de amoras assassinas? não era acaso essa paz precária essa paz que sobrevinha, ter meu corpo estirado em um colchão de erva daninha? não era acaso um sono provisório esse outro sono, ter minhas unhas sujas, meus pés entorpecidos, piolhos abrindo trilhas nos cabelos, minhas axilas visitadas por formigas? não era caso um sono provisório esse segundo sono, ter minha cabeça coroada de borboletas, larvas gordas me saindo pelo umbigo, minha testa fria coberta de insetos, minha boca inerte beijando escaravelhos? quanta sonolência, quanto torpor, quanto pesadelo nessa adolescência! a final, que pedra é essa que vai pesando sobre meu corpo? há um frieza misteriosa nesse fogo, para onde estou sendo levado um dia? que lousa branca, que pó anêmico, que campo calado, que copos-de-leite, que ciprestes mais altos, que lamentos mais longos, que elegias mais múltiplas plangendo meu corpo adolescente!"

André - Lavoura Arcaica de Raduan Nassar

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